quarta-feira, 26 de setembro de 2012

ENTREVISTA REVISTA PSICHÉ (PSICOLOGIA) Parte 1


Psique
Marco Antônio de Tommaso "é fundamental criar uma identidade estética"
Com ampla experiência no tema autoimagem, o psicoterapeuta Marco Antônio de Tommaso refuta pressões pelo chamado corpo perfeito

Por: Lucas Vasques / Fotos: Arquivo pessoal

Fotos: Arquivo pessoal
Um dos mistérios mais evidentes na mente humana é como as pessoas se enxergam. É possível definir se a imagem corporal que elas formam corresponde à realidade ou é fruto de fatores e experiências pessoais, além de pressões culturais? Quem pensa que essas dúvidas são prerrogativas, somente, das modelos profissionais e de outros profissionais que lidam com a beleza em suas atividades, está equivocado. Todas as pessoas estão sujeitas a questionamentos dessa natureza. Marco Antônio de Tommaso, psicólogo e psicoterapeuta, faz questão de ressaltar que a imagem estética propagada pela mídia, pela moda e pela publicidade pertence a uma parcela da população que vai de meio a 1% das pessoas em todo o mundo. “As magras são exceções genéticas”, resume.
O psicólogo salienta que se for considerado o aspecto biológico, o padrão corresponderia a um Índice de Massa Corporal (IMC) de 18,5 a 24,5, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a faixa em que há menor risco para doenças. O biótipo de uma modelo ou de quem cumpre a meta de chegar a esse patamar, por exemplo, implica num IMC de 16,5 a 17,0, ou ainda menos. Segundo Tommaso, se essa pessoa não for autenticamente assim, será classificada como subnutrida. Por isso, a situação deve ser tratada com muita cautela. “Em vista desse quadro, o padrão não é padrão. Todos devem procurar a beleza nas diferenças, não na igualdade. É preciso desenvolver uma identidade estética, sem se preocupar em seguir regras. Beleza é muito mais do que medida de quadril, cintura e cor dos olhos. Está indissociada de saúde e de autoestima. Portanto, em matéria de beleza não existe ‘mais que’, mas o ‘diferente de’”, avalia.
Tommaso atuou em pesquisa e atendimento no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da USP. É credenciado pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, além de ser psicólogo da Agência L´Equipe de modelos. Também se especializou em transtornos alimentares e acompanhamento psicológico em programas de emagrecimento. Colunista de Psicologia do site www.giselebundchen.com.br.
Como analisa a questão da autoimagem? como lidar com os padrões de beleza impostos pelo mercado e pela mídia?
Marco Antônio de Tommaso – Primeiramente, é bom destacar que a autoimagem é um componente da autoestima. É a imagem corporal que cada pessoa faz dela mesma. Trata-se de uma espécie de representação mental do corpo. Ela sempre vem acompanhada de emoções, sentimentos e é, fundamentalmente, influenciada por experiências pessoais vividas, pela forma de criação, pela educação recebida e, também, por inúmeros padrões culturais. A imagem estética propagada pela mídia, pela moda e pela publicidade pertence a uma parcela da população que vai de meio a 1% das pessoas em todo o mundo. É importante esclarecer que as magras são exceções genéticas. A mídia, a moda e a publicidade induzem a seguir essa imagem estética. A revolução da mulher nos anos 70 foi ótima, trouxe inúmeros benefícios, mas, em contrapartida, a deixou refém do próprio corpo. Existem casos de mulheres que são geneticamente dessa forma, magras, mas não são subnutridas. Mesmo assim, todas estão insatisfeitas com o corpo. Elas criam uma imagem cultural distorcida da realidade. As que fazem parte da maioria não integram o padrão. Outro aspecto a ser destacado é que a beleza é totalmente subjetiva. Para se definir se uma é mais bonita do que a outra é necessário emitir opinião. Não é o caso de ser mais ou menos, melhor ou pior. Há diferenças, que não são exatas e não se pode comprovar. Por exemplo, o elefante é maior do que a tartaruga. Isso é fato, basta olhar. Agora, não existe um belezômetro para se medir a beleza das pessoas. Por isso, é essencial ter uma autoestima suficiente para mediar os valores que vêm de fora. É fundamental criar uma identidade estética.
A revolução da mulher nos anos 70 foi ótima, trouxe inúmeros benefícios, mas, em contrapartida, a deixou refém do próprio corpo
Quais os mecanismos que prejudicam a autoimagem, a ponto de se chegar a sofrer com doenças como anorexia ou bulimia?
Tommaso – É preciso perguntar o que é causa ou efeito. Essa definição ainda não se sabe. A busca indiscriminada pelo corpo ideal pode levar a esse tipo de consequências. Fatores psicológicos, culturais e familiares contribuem muito para se chegar a essa situação de transtornos alimentares. A mulher, na maioria dos casos, pode ter 28 quilos e se ver obesa. Essa tendência existe desde antes da Idade Média, quando as mulheres faziam jejum para se santificar. Há alguns anos, uma modelo famosa morreu e fizeram várias campanhas no sentido de se acabar com a exigência do mercado de se ter o corpo magro e dito perfeito. Passada a efervescência do fato, diminuíram de 90 para 88 o limite do quadril para as modelos. Ou seja, nada adiantou. A verdade é que cada um tem um biótipo. A reconhecida modelo internacional Cindy Crawford tinha uma frase bem interessante sobre essa questão: “Antes de passar duas horas no maquiador e no cabeleireiro nem eu sou Cindy Crawford”.
Fotos: Arquivo pessoal
O que ocorre na cabeça das pessoas para que elas deixem chegar ao extremo de ser acometidas por doenças desse tipo, como bulimia ou anorexia?
Tommaso – Essas pessoas não sabem lidar com a pressão cultural que sofrem no dia a dia. Posso citar outro exemplo: uma mulher começa uma dieta inofensiva, até mesmo orientada pelo médico. Daquelas para perder apenas alguns quilos. Aos poucos, devido à exigência externa, vai diminuindo sua alimentação, tirando proteínas, carboidratos até chegar ao jejum. Nesse estágio ela passa a falar e pensar somente sobre esse assunto, ou seja, forma física. Tudo o que ela passa a fazer tem relação com o tema. É um processo que vai aumentando em intensidade até trazer consequências sérias.
Como as pessoas podem se blindar desse problema para n ão chegar à doença?
Tommaso – A pessoa consegue se blindar desses fatores fazendo uma filtragem de autoestima. Afinal, essa magreza não é o verdadeiro padrão. Aliás, essa palavra é utilizada, na maioria das vezes, de forma errada. Padrão é o que se usa para medir características da maioria. E essa imagem corporal, definitivamente, não faz parte da maioria. As pessoas precisam entender que todos os corpos têm limites. Nenhum é infinitamente maleável, que pode sofrer transformações radicais a toda hora.
De que forma as diversas correntes da psicologia tratam os transtornos ligados à autoimagem?
Tommaso – Todas as correntes da Psicologia têm grande preocupação com esse fato e suas consequências. Afinal, a mente das pessoas passa por uma série de alterações quando isso acontece. Portanto, nunca é demais ressaltar que é fundamental fortalecer a autoestima para tudo na vida, para negociar um pagamento, para iniciar num trabalho, para paquerar. As pessoas precisam confiar nelas próprias. Todas as escolas da Psicologia lidam bem com isso, para ajudar as pessoas.
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