Marco Antônio de Tommaso "é
fundamental criar uma identidade estética"
Com ampla
experiência no tema autoimagem, o psicoterapeuta Marco Antônio de Tommaso refuta
pressões pelo chamado corpo perfeito
Por:
Lucas Vasques / Fotos: Arquivo pessoal
De que forma a falta de conceito sobre si mesmo
pode atrapalhar a psicoterapia?
Tommaso – Respondo a esse questionamento
definindo o objetivo da psicoterapia: é o resgate da autoestima. A fobia social,
por exemplo, um dos grandes problemas do mundo moderno, pode ser explicada como
sendo a falta de confiança que a pessoa tem sobre si mesma. Pode provocar
ansiedade e depressão. A pessoa fica com uma visão distorcida de tudo e acaba se
achando inferior em relação aos demais.
Você poderia definir o que é timidez? Ela também
tem relação com a autoimagem?
Tommaso – A timidez tem grande relação com
a autoestima. Existem, basicamente, algumas variações: a timidez patológica, que
é a chamada fobia social, já mencionada. Ela tem como característica o modo
antecipado de rejeição. É bem comum, mais específica, e ocorre quando a pessoa
sente medo de falar em público, assinar cheques, não faz sinal para os ônibus.
Há, ainda, a generalizada, onde a pessoa sente medo de tudo. Em todos os casos,
não há confiança em si e, tampouco, autoestima.
Não existe um belezômetro para se
medir a beleza. É essencial ter uma autoestima suficiente para mediar os valores
que vêm de fora
No caso das modelos, profissionais as quais você
tem ampla experiência, quais as questões mais difíceis que já enfrentou em se
tratando de autoimagem?
Tommaso
– Esse segmento desperta problemas bem sérios. Para se ter uma
ideia, desenvolvi uma pesquisa, que envolveu a participação de 140 modelos, com
idade máxima de 18 anos. Ao responder uma das questões, todas elas afirmaram que
precisam emagrecer três quilos. Outro dado significativo: a nota média para o
corpo que cada uma deu foi 6,3. As justificativas foram muitas, como necessidade
de se submeter à lipoaspiração, colocação de silicone etc. Isso é muito ruim,
pois, na maioria, são meninas lindas. No entanto, sofreram na mocidade, por
serem mais altas e magras do que o padrão. Eram chamadas de bambu, perna longa e
outros apelidos embaraçosos. Sofriam o que chamam hoje de bullying, que é uma
palavra nova para uma situação antiga. Depois, quando chegam à fase adulta, por
se adequarem ao perfil exigido, passam por uma transformação, quando as agências
as contratam. Mudam o cabelo, roupas e maquiagem. Entretanto, a autoimagem não
mudou, o sentimento de inferioridade continua. Elas sofrem por aspectos que
ocorreram antes de serem modelos.
Como lidar com a falta de estrutura psíquica das
pessoas, No geral, quando elas assumem inúmeros compromissos profissionais muito
cedo?
Tommaso –
Existem várias atividades que exigem uma mudança de cidade e até de estado
quando a pessoa ainda é muito jovem. Dentro desse perfil profissional eu vejo
semelhanças entre as carreiras de modelo e jogador de futebol. Em ambos os casos
acontece essa alteração radical na vida deles, pois têm de enfrentar muito cedo
a luta diária pelo ganha-pão, que não é fácil. Há inúmeras pressões. Veja a
trajetória do Neymar. O pai dele exige comprometimento do jogador, apesar da
pouca idade, impõe limites e restrições. Ele é quem controla o dinheiro do
rapaz, o que representa um bom respaldo da família. Contudo, isso nem sempre
acontece, não é a maioria. Por isso, precisam de um suporte psicológico. No caso
das modelos, eu procuro fazer um trabalho intenso de prevenção à anorexia e à
bulimia. Um exemplo clássico é a Gisele Bundchen. Quando ela chegou para iniciar
a carreira, ficou nove meses sem trabalho. Era chamada de magra, nariguda e
sardenta. Quase voltou para sua cidade. Contudo, insistiu, confiou em si e
mostrou autoestima. Infelizmente, a maior parte não aguenta a pressão e desiste.
Um estudo dos EUA indica que 80% das
mulheres que aparecem na televisão estão abaixo do peso, o que reforça a
imposição social
O padrão de beleza imposto deixa a pessoa sem
autoimagem definida ou com a autoimagem real
prejudicada?
Tommaso
– Sem dúvida, fica alterada e isso prejudica muito. Um estudo
realizado nos Estados Unidos indica que 80% das mulheres que aparecem na
televisão estão abaixo do peso, o que reforça a imposição social. Outras 5%, que
estão acima do peso, aparecem apenas em situações jocosas e são ridicularizadas.
Não existe no Brasil um trabalho nesses moldes, mas tenho convicção de que é por
aí também. O que acontece é que, desde cedo, meninas começam a brincar com a
Barbie, que tem um perfil corporal inviável. Se fossem seguir as proporções da
boneca em uma pessoa real, ela teria 45 centímetros de cintura. Além disso, há
os programas infantis, onde as apresentadoras são sempre magérrimas. Em seguida,
o interesse recai sobre as bandas de rock, com seus vocalistas sempre magros, e
as novelas, com as mocinhas das histórias assumindo esse perfil. O resultado é
que se cria uma crença única. Há uma associação precoce entre magreza e
beleza.
Visto isso, como n ão ser um escravo da beleza?
Tommaso –
Existem três tipos de situação que podem responder essa questão: há o ser
bonita, visão biológica; o estar bonita, quando a pessoa se submete aos efeitos
de produção e recursos, exercícios e nutrição; e também há o se sentir bonita,
que se traduz em uma visão adequada da beleza, uma boa percepção da autoimagem.
É fundamental enfatizar o que se tem de bom, pois perfeição não existe. A boa
aceitação da pessoa com sua imagem está muito mais relacionada à autoestima do
que com a beleza em si.
Quais as ligações entre emagrecimento e
autoimagem?
Tommaso
– Essas ligações são muitas. As pessoas que têm autoimagem
prejudicada sofrem com a personalidade mais machucada. Acontece bastante com
quem tem obesidade mórbida. Essa pessoa se submete à cirurgia para
emagrecimento. Pela rapidez do resultado, não consegue lidar com isso direito.
Em vários casos, ela já emagreceu, mas sente medo de sentar em cadeiras, passar
por catracas de ônibus e atividades assim. Isso ocorre porque o corpo emagrece,
mas a cabeça não. É o que chamo de gordura imaginária. Para mim, muitas dessas
pessoas não se tornam magras. São gordas emagrecidas. A prova é acompanharmos
duas mulheres com 60 quilos. Uma sempre foi assim e a outra tinha 90 quilos e
emagreceu. Posso dizer que a primeira é magra e a segunda está magra.
Hoje já existe a síndrome de Adônis.
Acontece quando o homem é muito forte, mas se vê fraco. É o paralelo da
anorexia
Como fortalecer a autoimagem da pessoa?
Tommaso – O
fortalecimento da autoimagem passa, fundamentalmente, pela psicoterapia, que é a
melhor forma de ajudar no resgate da autoestima. Evidentemente, algumas pessoas
conseguem isso de forma natural. Nesses casos não é necessário.
Existe mais de um tipo de autoimagem, como
individual e coletiva?
Tommaso
– Existe, sim, no sentido cultural. O que determina isso é como
a pessoa interpreta essa situação. Há casos em que mulheres sofrem muito com
essas pressões. Outras ficam apenas um pouco incomodadas.
No geral, as pessoas não estão satisfeitas com a
autoimagem?
Tommaso
– Definitivamente, não.
Os problemas com a autoimagem são ‘privilégio’ da
juventude ou podem surgir em qualquer idade? Esses problemas aumentam na medida
em que a pessoa sente dificuldades em envelhecer?
Tommaso – A pressão maior, sem dúvida,
acontece na juventude. Contudo, na fase de envelhecimento também ocorre, mas se
trata de outro tipo de pressão. Homens e mulheres que sentem dificuldades em
envelhecer, usando roupas e hábitos inadequados, também passam por isso. Esses
homens e mulheres não têm autoestima satisfatória.
Apenas quem tem baixa estima pode ter problemas
com a autoimagem ou isso pode acontecer com quem tem autoestima elevada também?
Tommaso –
Devemos ter em mente que a autoestima não é uma vacina, que deixa as pessoas
imunes. Entretanto, um amigo meu diz sempre que funciona como o sistema
imunológico. Ela pode sofrer, mas tem resistência a isso. Acaba se recuperando
mais rápido. Além disso, sai mais fortalecida desse processo para filtrar as
pressões culturais. Adquire mais condições.
Essa relação psíquica com a autoimagem difere de
cultura para cultura? Há países que aceitam padrões de beleza diferentes dos
impostos no Ocidente. Para os orientais, por exemplo, há diferenciação de
autoimagem, mesmo para os que são brasileiros?
Tommaso – Essa conduta é um movimento
extremamente ocidental. Mas, em alguns lugares do Oriente, como o Japão, há um
fenômeno acentuado de ocidentalização. As mulheres de lá chegam a fazer cirurgia
para abrir os olhos, usam cabelos loiros. Ou seja, acabam abrindo mão de suas
características. Para se ter uma ideia, as tinturas de coloração loira oferecem
mais de 500 tonalidades diferentes. Outro fato significativo que posso citar é
que as transmissões de televisão surgiram, nas Ilhas Fiji, em 1995. Ana Baier,
uma pesquisadora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, desenvolveu um
estudo que mostrou que três anos depois disso, 80% das mulheres faziam dieta e
1/8 tinha bulimia. Explica-se pela chegada do movimento ocidental.
Há diferenças de gêneros? Homens e mulheres têm
efeitos e tratamentos iguais ou diferentes para essas questões?
Tommaso – O
tratamento dado pela sociedade é bem diferente. O homem pode ser um pouco
barrigudo. No universo masculino essa pressão é menor, mas existe. Agora, daqui
a 30 anos não sei quais serão as exigências. No geral, a mulher quer emagrecer
na academia e o homem quer ficar mais forte. Todavia, o quadro tende a mudar,
pois hoje já existe a síndrome de Adônis. Acontece quando o homem é muito forte,
mas se vê fraco. É o paralelo da anorexia. Então, o sujeito se mata na academia,
chega, inclusive, a ingerir substâncias. Esse fato mostra claramente que essa
situação começa a crescer entre os homens.
Lucas Vasques é jornalista, colaborador desta
publicação |
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