quarta-feira, 26 de setembro de 2012

ENTREVISTA REVISTA PSICHÉ Parte 2


Psique

Marco Antônio de Tommaso "é fundamental criar uma identidade estética"
Com ampla experiência no tema autoimagem, o psicoterapeuta Marco Antônio de Tommaso refuta pressões pelo chamado corpo perfeito

Por: Lucas Vasques / Fotos: Arquivo pessoal

Fotos: Arquivo pessoal
De que forma a falta de conceito sobre si mesmo pode atrapalhar a psicoterapia?
Tommaso – Respondo a esse questionamento definindo o objetivo da psicoterapia: é o resgate da autoestima. A fobia social, por exemplo, um dos grandes problemas do mundo moderno, pode ser explicada como sendo a falta de confiança que a pessoa tem sobre si mesma. Pode provocar ansiedade e depressão. A pessoa fica com uma visão distorcida de tudo e acaba se achando inferior em relação aos demais.
Você poderia definir o que é timidez? Ela também tem relação com a autoimagem?
Tommaso – A timidez tem grande relação com a autoestima. Existem, basicamente, algumas variações: a timidez patológica, que é a chamada fobia social, já mencionada. Ela tem como característica o modo antecipado de rejeição. É bem comum, mais específica, e ocorre quando a pessoa sente medo de falar em público, assinar cheques, não faz sinal para os ônibus. Há, ainda, a generalizada, onde a pessoa sente medo de tudo. Em todos os casos, não há confiança em si e, tampouco, autoestima.
Não existe um belezômetro para se medir a beleza. É essencial ter uma autoestima suficiente para mediar os valores que vêm de fora
No caso das modelos, profissionais as quais você tem ampla experiência, quais as questões mais difíceis que já enfrentou em se tratando de autoimagem?
Tommaso – Esse segmento desperta problemas bem sérios. Para se ter uma ideia, desenvolvi uma pesquisa, que envolveu a participação de 140 modelos, com idade máxima de 18 anos. Ao responder uma das questões, todas elas afirmaram que precisam emagrecer três quilos. Outro dado significativo: a nota média para o corpo que cada uma deu foi 6,3. As justificativas foram muitas, como necessidade de se submeter à lipoaspiração, colocação de silicone etc. Isso é muito ruim, pois, na maioria, são meninas lindas. No entanto, sofreram na mocidade, por serem mais altas e magras do que o padrão. Eram chamadas de bambu, perna longa e outros apelidos embaraçosos. Sofriam o que chamam hoje de bullying, que é uma palavra nova para uma situação antiga. Depois, quando chegam à fase adulta, por se adequarem ao perfil exigido, passam por uma transformação, quando as agências as contratam. Mudam o cabelo, roupas e maquiagem. Entretanto, a autoimagem não mudou, o sentimento de inferioridade continua. Elas sofrem por aspectos que ocorreram antes de serem modelos.
Como lidar com a falta de estrutura psíquica das pessoas, No geral, quando elas assumem inúmeros compromissos profissionais muito cedo?
Tommaso – Existem várias atividades que exigem uma mudança de cidade e até de estado quando a pessoa ainda é muito jovem. Dentro desse perfil profissional eu vejo semelhanças entre as carreiras de modelo e jogador de futebol. Em ambos os casos acontece essa alteração radical na vida deles, pois têm de enfrentar muito cedo a luta diária pelo ganha-pão, que não é fácil. Há inúmeras pressões. Veja a trajetória do Neymar. O pai dele exige comprometimento do jogador, apesar da pouca idade, impõe limites e restrições. Ele é quem controla o dinheiro do rapaz, o que representa um bom respaldo da família. Contudo, isso nem sempre acontece, não é a maioria. Por isso, precisam de um suporte psicológico. No caso das modelos, eu procuro fazer um trabalho intenso de prevenção à anorexia e à bulimia. Um exemplo clássico é a Gisele Bundchen. Quando ela chegou para iniciar a carreira, ficou nove meses sem trabalho. Era chamada de magra, nariguda e sardenta. Quase voltou para sua cidade. Contudo, insistiu, confiou em si e mostrou autoestima. Infelizmente, a maior parte não aguenta a pressão e desiste.
Um estudo dos EUA indica que 80% das mulheres que aparecem na televisão estão abaixo do peso, o que reforça a imposição social
Fotos: Arquivo pessoal
O padrão de beleza imposto deixa a pessoa sem autoimagem definida ou com a autoimagem real prejudicada?
Tommaso – Sem dúvida, fica alterada e isso prejudica muito. Um estudo realizado nos Estados Unidos indica que 80% das mulheres que aparecem na televisão estão abaixo do peso, o que reforça a imposição social. Outras 5%, que estão acima do peso, aparecem apenas em situações jocosas e são ridicularizadas. Não existe no Brasil um trabalho nesses moldes, mas tenho convicção de que é por aí também. O que acontece é que, desde cedo, meninas começam a brincar com a Barbie, que tem um perfil corporal inviável. Se fossem seguir as proporções da boneca em uma pessoa real, ela teria 45 centímetros de cintura. Além disso, há os programas infantis, onde as apresentadoras são sempre magérrimas. Em seguida, o interesse recai sobre as bandas de rock, com seus vocalistas sempre magros, e as novelas, com as mocinhas das histórias assumindo esse perfil. O resultado é que se cria uma crença única. Há uma associação precoce entre magreza e beleza.
Visto isso, como n ão ser um escravo da beleza?
Tommaso – Existem três tipos de situação que podem responder essa questão: há o ser bonita, visão biológica; o estar bonita, quando a pessoa se submete aos efeitos de produção e recursos, exercícios e nutrição; e também há o se sentir bonita, que se traduz em uma visão adequada da beleza, uma boa percepção da autoimagem. É fundamental enfatizar o que se tem de bom, pois perfeição não existe. A boa aceitação da pessoa com sua imagem está muito mais relacionada à autoestima do que com a beleza em si.
Quais as ligações entre emagrecimento e autoimagem?
Tommaso – Essas ligações são muitas. As pessoas que têm autoimagem prejudicada sofrem com a personalidade mais machucada. Acontece bastante com quem tem obesidade mórbida. Essa pessoa se submete à cirurgia para emagrecimento. Pela rapidez do resultado, não consegue lidar com isso direito. Em vários casos, ela já emagreceu, mas sente medo de sentar em cadeiras, passar por catracas de ônibus e atividades assim. Isso ocorre porque o corpo emagrece, mas a cabeça não. É o que chamo de gordura imaginária. Para mim, muitas dessas pessoas não se tornam magras. São gordas emagrecidas. A prova é acompanharmos duas mulheres com 60 quilos. Uma sempre foi assim e a outra tinha 90 quilos e emagreceu. Posso dizer que a primeira é magra e a segunda está magra.
Hoje já existe a síndrome de Adônis. Acontece quando o homem é muito forte, mas se vê fraco. É o paralelo da anorexia
Como fortalecer a autoimagem da pessoa?
Tommaso – O fortalecimento da autoimagem passa, fundamentalmente, pela psicoterapia, que é a melhor forma de ajudar no resgate da autoestima. Evidentemente, algumas pessoas conseguem isso de forma natural. Nesses casos não é necessário.
Existe mais de um tipo de autoimagem, como individual e coletiva?
Tommaso – Existe, sim, no sentido cultural. O que determina isso é como a pessoa interpreta essa situação. Há casos em que mulheres sofrem muito com essas pressões. Outras ficam apenas um pouco incomodadas.
No geral, as pessoas não estão satisfeitas com a autoimagem?
Tommaso – Definitivamente, não.
Fotos: Arquivo pessoal
Os problemas com a autoimagem são ‘privilégio’ da juventude ou podem surgir em qualquer idade? Esses problemas aumentam na medida em que a pessoa sente dificuldades em envelhecer?
Tommaso – A pressão maior, sem dúvida, acontece na juventude. Contudo, na fase de envelhecimento também ocorre, mas se trata de outro tipo de pressão. Homens e mulheres que sentem dificuldades em envelhecer, usando roupas e hábitos inadequados, também passam por isso. Esses homens e mulheres não têm autoestima satisfatória.
Apenas quem tem baixa estima pode ter problemas com a autoimagem ou isso pode acontecer com quem tem autoestima elevada também?
Tommaso – Devemos ter em mente que a autoestima não é uma vacina, que deixa as pessoas imunes. Entretanto, um amigo meu diz sempre que funciona como o sistema imunológico. Ela pode sofrer, mas tem resistência a isso. Acaba se recuperando mais rápido. Além disso, sai mais fortalecida desse processo para filtrar as pressões culturais. Adquire mais condições.
Essa relação psíquica com a autoimagem difere de cultura para cultura? Há países que aceitam padrões de beleza diferentes dos impostos no Ocidente. Para os orientais, por exemplo, há diferenciação de autoimagem, mesmo para os que são brasileiros?
Tommaso – Essa conduta é um movimento extremamente ocidental. Mas, em alguns lugares do Oriente, como o Japão, há um fenômeno acentuado de ocidentalização. As mulheres de lá chegam a fazer cirurgia para abrir os olhos, usam cabelos loiros. Ou seja, acabam abrindo mão de suas características. Para se ter uma ideia, as tinturas de coloração loira oferecem mais de 500 tonalidades diferentes. Outro fato significativo que posso citar é que as transmissões de televisão surgiram, nas Ilhas Fiji, em 1995. Ana Baier, uma pesquisadora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, desenvolveu um estudo que mostrou que três anos depois disso, 80% das mulheres faziam dieta e 1/8 tinha bulimia. Explica-se pela chegada do movimento ocidental.
Há diferenças de gêneros? Homens e mulheres têm efeitos e tratamentos iguais ou diferentes para essas questões?
Tommaso – O tratamento dado pela sociedade é bem diferente. O homem pode ser um pouco barrigudo. No universo masculino essa pressão é menor, mas existe. Agora, daqui a 30 anos não sei quais serão as exigências. No geral, a mulher quer emagrecer na academia e o homem quer ficar mais forte. Todavia, o quadro tende a mudar, pois hoje já existe a síndrome de Adônis. Acontece quando o homem é muito forte, mas se vê fraco. É o paralelo da anorexia. Então, o sujeito se mata na academia, chega, inclusive, a ingerir substâncias. Esse fato mostra claramente que essa situação começa a crescer entre os homens.

Lucas Vasques é jornalista, colaborador desta publicação


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